O domínio da infância multimídia: um cyber-desafio

Ao problematizarmos a infância atualmente, encontramos muitos desafios aos quais nem sempre estamos prontos para enfrentar. Sabemos da existência de diferentes infâncias, mas uma em especial é foco de grande discussão: a cyber-infância, que tem como conceito básico ser uma infância globalizada e contemporânea. Segundo Narodowski (1999), esta é uma infância hiper-realizada, que possibilita cyber-infante um acesso ilimitado às novas tecnologias contemporâneas.

Apesar dos ares de modernidade, a cyber-infância é sinônimo de preocupação. Atualmente, as tecnologias vêm tornando esta infância perigosa, nós adultos, em especial pais e professores, estamos perdendo o controle da situação, pois referida infância está nos escapando, no sentido literal da palavra. As crianças vêm aderindo às novas tecnologias na mesma velocidade e proporção que estas crescem, poucas ficam alheias aos gadgets do momento.

Além dos acessórios e aparatos tecnológicos disponíveis, há também os novos espaços infantis que estão sendo configurados para a vivência do cyber-infante. Estes espaços podem ser públicos, como lan houses e shoppings centers ou privados, como o quarto que a criança possui em seu lar. Conforme Leni Vieira Dornelles (2008, pp. 79), os antigos quartos buscavam impedir a criança do acesso à sexualidade paterna; cito particularmente que este remoto ambiente também servia como local de reclusão (castigos) e de descanso. Atualmente, o que se vê neste cyber-espaço é mera alusão ao passado, dele, só restou a cama, os demais objetos fazem parte do altar à tecnologia que é hoje o quarto de um criança multimídia. Neste cyber-ambiente doméstico, podemos encontrar todos os tipos de gadgets, são televisores, DVDs, players de música, videogames, câmeras digitais, celulares com as mais variadas funções e claro, o computador. Este por sinal é um artigo absolutamente indispensável, pois sem ele não seria possível o acesso à internet, a maior invenção tecnológica de todos os tempos.

Aliás, a internet é a maior fonte de preocupação quando se trata dos perigos da cyber-infância. Celulares e outros artefatos multimídia são inofensivos perto do real perigo que a web propicia, não só para os infantes, mas para todos os indivíduos que se expõem a ela sem o devido filtro. Este filtro, no caso de um adulto, nada mais é do que maturidade e responsabilidade, já em se tratando de uma criança, o filtro principal são os pais ou responsável, até mesmo o professor. A internet é um mundo de possibilidades e algumas delas não são próprias para um infante. Chats adultos, pornografia, pedofilia, conteúdos macabros e tantos outros impróprios para menores circulam livremente pela rede e, diferentemente da maioria dos adultos, as crianças não tem discernimento para julgar um conteúdo adequado ou não para sua faixa etária. Nestes episódios, é comum a curiosidade falar mais alto e muitas vezes atravessar a fronteira do virtual, passando para o mundo real. O perigo mora justamente nesta transposição. Encontros marcados às escondidas que resultam muitas vezes em estupro, sequestro, assassinato e tantos outros crimes já acontecem com adultos, imaginem com crianças indefesas e desavisadas? Estas são as razões que me fazem ser absolutamente contra um infante possuir computador no quarto, pois, mesmo que os pais tenham todo o cuidado, filtrando o conteúdo que a criança acessa, essa monitoria pode ser falha ou insuficiente, abrindo assim uma brecha para os crimes cibernéticos.

Enfim, são muitos os perigos e desafios gerados pela cyber-infância, mas nós como profissionais da educação temos de enfrentá-los, saber usar as pedagogias culturais a nosso favor e através de propostas inovadoras beneficiar nossos educandos, auxiliando-os em suas novas descobertas, provendo suporte nas tecnologias do cotidiano, incluindo e não se limitando ao espaço escolar.

O mundo da infância sem o brincar

Imaginar um mundo sem brinquedos é difícil para quem teve uma infância tão feliz e cheia deles. A presença dos brinquedos nas diferentes infâncias pode ter variação, mas todos eles propiciam o deleite de ser criança.

A palavra brinquedo costuma nos remeter ao objeto em si, porém, ao consultarmos o dicionário, veremos que este nos dá diversas definições:

1. Objeto fabricado ou improvisado com que as crianças brincam;

2. Brincadeira ou jogo infantil;

3. Pessoa que não se impõe, que se deixa abusar;

4. Situação, ação ou tarefa fácil de levar ou de fazer;

5. Folguedo, divertimento, folia.

Obviamente as definições que nos interessam neste caso são as duas primeiras. A infância e o próprio mundo sem o brinquedo e o brincar, é como passar uma lua-de-mel sozinho: falta um companheiro, um complemento. Segundo Gildo Volpato (2002) a história dos brinquedos também é diversa do que vemos atualmente. Havia certa margem de ambigüidade em torno dos brinquedos, principalmente na sua origem. A maioria deles era compartilhada tanto por adultos quanto por crianças, tanto por meninos quanto por meninas, nas mais diversas situações do cotidiano. Conforme Benjamin (1984), muitos dos mais antigos brinquedos (a bola, o papagaio, o arco, a roda de penas) foram de certa forma impostos às crianças como objetos de culto e somente mais tarde, devido à força de imaginação das crianças, transformados em brinquedos. Com base nestas informações, podemos concluir que a inserção do brinquedo como objeto do brincar na infância é relativamente recente e que ele não foi inventado com este propósito, até porque a própria infância também é uma concepção recente.

Infelizmente hoje em dia os brinquedos deixaram de ser meros instrumentos de diversão, muitos deles viraram artigos de luxo, de status e de poder. Cada vez mais as indústrias têm se preocupado em faturar mais em cima desse mercado infantil onde imperam Barbies, Pollys, Hot Wheels e tantos outros brinquedos que pecam pela falta de criatividade. Aliás, esta é a palavra chave: criatividade. Tinha-se muito mais criatividade antigamente do que brinquedos propriamente ditos. E a partir daí podemos entender porque o conceito de infância nos diz muito sobre o brincar hoje em dia.

Atualmente temos diferentes infâncias em nossa sociedade, mas antigamente esta distinção não era tão descriminada. Há algumas décadas tanto crianças ricas quanto pobres possuíam os mesmos brinquedos e usavam a criatividade e a imaginação para brincar, o brinquedo era um mero instrumento para completar a diversão. Hoje, as diferenças sociais reinam absolutas e podemos perceber claramente a função que exerce o brinquedo em cada camada social. E particularmente, creio que as classes menos favorecidas se sobresaem na arte do brincar. Digo isso pois imagino ser muito chato um brinquedo que não desafie a criança, que não estimule sua imaginação. Isso acontece com as bonecas fabricadas em série e que a cada coleção só mudam a roupa, ou mesmo com os videogames, que só interagem até certo ponto. As crianças que possuem menos recursos e conseqüentemente brinquedos mais simples, lançam mão da criatividade para ir além com a singela bola e criar infinitas possibilidades, inúmeras brincadeiras.

Os brinquedos e os jogos têm uma eficácia imensurável quando se propõem a trabalhar aspectos cognitivos e sócio-afetivos nas crianças. Através do jogo o indivíduo pode brincar naturalmente, testar hipóteses, explorar toda a sua espontaneidade criativa. O jogar é essencial para que a criança manifeste sua criatividade, utilizando suas potencialidades de maneira integral. É somente sendo criativo que a criança descobre seu próprio eu.

Enfim, ao imaginar um mundo sem brinquedos, imagino também um mundo sem infância e mais do que isso, afirmo que neste mundo não haveria criatividade, não haveria imaginação e tão pouco existiria a magia de ser criança.

Victor de Aveyron, o menino selvagem: metodologias pedagógicas de Jean Itard


O desafio de educar Victor foi muito além dos preceitos pedagógicos; o peculiar histórico do menino dito selvagem já revelava por si só as dificuldades que Itard enfrentaria.

O que eu pude observar na restrita leitura dos relatos do médico e no filme de Truffaut, é que Itard foi movido inicialmente pela curiosidade e não pelo desafio em si. Porém, quando Victor é analisado pelo também médico Pinel, que outrora fora professor de Itard, o pesquisador discorda do veredicto dado por seu mestre sobre a situação do menino. Jean Itard aceita o desafio de provar que o selvagem não é uma criança idiota (nomenclatura que hoje corresponde à deficiência mental) que provavelmente tenha sido abandonada pelos pais em razão disso. Segundo ele, Victor é apenas uma criança que foi precocemente privada do convívio social e da ausência absoluta da educação social humana, separado de indivíduos de sua espécie. Itard acreditava que a situação concreta de abandono e afastamento da civilização explicava o comportamento dito selvagem.

Em seu livro A educação de um homem selvagem de 1801, Jean Itard apresenta seu trabalho com o menino selvagem e descreve algumas etapas do processo, inclusive suas metodologias. Muitas colegas ao assistirem o filme ficaram escandalizadas com a rija postura do médico frente a seu educando. Porém, devemos lembrar que estamos falando de um médico e não um pedagogo, levando em consideração além deste fato, a época em que foi desenvolvido o trabalho e os conceitos que se tinha de educação, indivíduo e sociedade, fica claro que Itard era bastante avançado e revolucionário para sua geração.

As metodologias do médico ainda são bem familiares hoje em dia, porém com ares de modernidade. Obviamente que trancar o menino no armário escuro não deveria ser considerado uma metodologia, mas sim, ainda hoje são impostas coisas do gênero, porém de maneira mais sutil. O uso do material concreto, por exemplo, bastante difundido por Maria Montessori é um arquétipo do avanço para a época, a própria teoria do condicionamento que é ressaltada por diversas vezes no filme é peça presente na educação, tanto no ambiente escolar quanto familiar.

O desafio varia de acordo com a situação e o contexto, dando-se assim a problematização. Nós, como educadores, sabemos bem disso; cada caso é um caso e deve ser tratado como tal. Por mais que a tentativa educacional de Victor tenha sido uma experiência, neste caso específico visivelmente frustrada, todos nós vivemos dela; nossa profissão é uma experiência diária e nos cerca de desafios. Apesar do pouco avanço que teve com o menino selvagem, Itard nos faz refletir sobre o nosso papel na sociedade, sejamos professores, doutores ou garis, precisamos nos posicionar de forma ímpar frente aos desafios, às desigualdades e às exclusões. É a nossa maneira de encarar os fatos, ainda que de forma utópica, que nos possibilita a tentativa de construir uma sociedade mais digna, mais justa e mais humana, que possa acolher a todos de forma igualitária. Jean Itard é um exemplo clássico que também se aprende com o fracasso às vezes mais do que com o sucesso. Não que ele tenha fracassado por completo, pois comprovadamente houve avanços durante seu trabalho com Victor; mas o fato de não ter atingido seus objetivos plenamente nos leva a concluir de que a frustração foi iminente.

Ainda que haja um fracasso diário, ele sempre virá acompanhado de um aprendizado e é neste pseudo-fracasso que estão as nossas glórias.



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Olá pessoal!
Já estou mais organizada e pronta pra botar o blog pra funcionar de verdade... Não prometo registros diários, mas sempre que possível vou atualizar e postar também meus trabalhos da faculdade para a troca de idéias e experiências.
Abraços