Victor de Aveyron, o menino selvagem: metodologias pedagógicas de Jean Itard


O desafio de educar Victor foi muito além dos preceitos pedagógicos; o peculiar histórico do menino dito selvagem já revelava por si só as dificuldades que Itard enfrentaria.

O que eu pude observar na restrita leitura dos relatos do médico e no filme de Truffaut, é que Itard foi movido inicialmente pela curiosidade e não pelo desafio em si. Porém, quando Victor é analisado pelo também médico Pinel, que outrora fora professor de Itard, o pesquisador discorda do veredicto dado por seu mestre sobre a situação do menino. Jean Itard aceita o desafio de provar que o selvagem não é uma criança idiota (nomenclatura que hoje corresponde à deficiência mental) que provavelmente tenha sido abandonada pelos pais em razão disso. Segundo ele, Victor é apenas uma criança que foi precocemente privada do convívio social e da ausência absoluta da educação social humana, separado de indivíduos de sua espécie. Itard acreditava que a situação concreta de abandono e afastamento da civilização explicava o comportamento dito selvagem.

Em seu livro A educação de um homem selvagem de 1801, Jean Itard apresenta seu trabalho com o menino selvagem e descreve algumas etapas do processo, inclusive suas metodologias. Muitas colegas ao assistirem o filme ficaram escandalizadas com a rija postura do médico frente a seu educando. Porém, devemos lembrar que estamos falando de um médico e não um pedagogo, levando em consideração além deste fato, a época em que foi desenvolvido o trabalho e os conceitos que se tinha de educação, indivíduo e sociedade, fica claro que Itard era bastante avançado e revolucionário para sua geração.

As metodologias do médico ainda são bem familiares hoje em dia, porém com ares de modernidade. Obviamente que trancar o menino no armário escuro não deveria ser considerado uma metodologia, mas sim, ainda hoje são impostas coisas do gênero, porém de maneira mais sutil. O uso do material concreto, por exemplo, bastante difundido por Maria Montessori é um arquétipo do avanço para a época, a própria teoria do condicionamento que é ressaltada por diversas vezes no filme é peça presente na educação, tanto no ambiente escolar quanto familiar.

O desafio varia de acordo com a situação e o contexto, dando-se assim a problematização. Nós, como educadores, sabemos bem disso; cada caso é um caso e deve ser tratado como tal. Por mais que a tentativa educacional de Victor tenha sido uma experiência, neste caso específico visivelmente frustrada, todos nós vivemos dela; nossa profissão é uma experiência diária e nos cerca de desafios. Apesar do pouco avanço que teve com o menino selvagem, Itard nos faz refletir sobre o nosso papel na sociedade, sejamos professores, doutores ou garis, precisamos nos posicionar de forma ímpar frente aos desafios, às desigualdades e às exclusões. É a nossa maneira de encarar os fatos, ainda que de forma utópica, que nos possibilita a tentativa de construir uma sociedade mais digna, mais justa e mais humana, que possa acolher a todos de forma igualitária. Jean Itard é um exemplo clássico que também se aprende com o fracasso às vezes mais do que com o sucesso. Não que ele tenha fracassado por completo, pois comprovadamente houve avanços durante seu trabalho com Victor; mas o fato de não ter atingido seus objetivos plenamente nos leva a concluir de que a frustração foi iminente.

Ainda que haja um fracasso diário, ele sempre virá acompanhado de um aprendizado e é neste pseudo-fracasso que estão as nossas glórias.



Um comentário:

  1. Realmente a história de Victor é muito interessante. Li alguns artigos e assisti o filme. Faço história licenciatura e penso bastante sobre os desafios que enfrentarei como educadora. Algumas vezes fico temerosa com a responsabilidade e o desafio. Contudo,como você mesmo colocou no seu texto, cada fracasso vem acompanhado de aprendizado que nos ajuda a melhorar enquanto profissionais e seres humanos.
    Parabéns pelo blog!!!

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